Dia Internacional da Mulher

Ao relermos as palavras de Carlos Drummond de Andrade: “Quando nasci, um anjo torto / desses que vivem na sombra / disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida”, conseguimos perceber, através da citação, os pontos de atrito (e de contato) entre o fazer poético e o fazer-se pessoa no mundo. O poeta sintetizou em seus versos o sentimento de todos aqueles que se veem fora do contexto, longe do centro das atividades e impossibilitados de reconhecimento pela ordem vigente.

Tomando de empréstimo o raciocínio do mestre, trazemo-lo à realidade das conquistas femininas. Nós, mulheres, sempre sentimos o pesar de sermos vozes à margem, vendo nossa ação, durante muito tempo, ser ridicularizada e considerada excêntrica diante dos arranjos sociais. Hoje, a sociedade, ou parte dela, começa a repensar o lugar para as vozes dissonantes – são várias correntes que perderam o receio de se expor, porque são muitas as memórias que devem ser reconstruídas.

Ao contrário de cinquenta anos atrás, atualmente, podemos ler uma Adélia Prado, utilizando “Com licença poética”, o direito de estar no mundo, sendo diferente ou não.

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos.
– dor não é amargura
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

Essa visão de mulher, no entanto, não surge de uma hora para outra nem à sociedade nem a ela mesma...



Beijos,